A indulgência jubilar: Misericórdia de Deus e comunhão dos santos

Na noite de 7 de janeiro de 2025, realizou-se por videoconferência a quarta sessão do ciclo «Peregrinos de esperança», organizado pelo Centro de Cultura Católica e pelo diaconado permanente portucalense, com a colaboração com alguns secretariados e organismos diocesanos, em sintonia com o Plano Diocesano de Pastoral 2024/2025. Numa sessão muito participada, que contou com 135 dispositivos informáticos ligados, João da Silva Peixoto, diretor do Secretariado Diocesano de Liturgia, abordou o tema «A indulgência jubilar: Misericórdia de Deus e comunhão dos santos». O tema sintoniza bem com o Plano Diocesano de Pastoral, que, entre as ações pastorais para celebrar o Jubileu, refere-se: «Viver a conversão, compreender e acolher o dom da indulgência (cumprindo as condições requeridas pela Igreja), como expressão plena da misericórdia e do perdão de Deus».

A conferência gravitou em torno de dois eixos temáticos. No primeiro, o conferencista, socorrendo-se sobretudo do Catecismo da Igreja Católica, apresentou uma síntese da doutrina das indulgências. Depois de mencionar que o perdão e a indulgência estão presentes desde o início dos Anos Santos em 1300, e que, a presar das controvérsias, os últimos pontífices se mantiveram nesta senda, disse que a indulgência é a remissão, perante Deus, da pena temporal devida aos pecados cuja culpa já foi apagada pelo sacramento da Penitência; remissão que o fiel devidamente disposto obtém em certas condições, pela ação da Igreja, a qual distribui e aplica por sua autoridade o tesouro das satisfações de Cristo e dos santos. Acrescentou que a indulgência é parcial ou plenária, consoante liberta parcialmente ou na totalidade da pena temporal devida ao pecado e que o cristão pode alcançá-la para si ou aplicá-la pelos defuntos.

Distinguindo culpa e pena, afirmou que o pecado grave nos priva da comunhão com Deus e, portanto, torna-nos incapazes da vida eterna, cuja privação se chama pena eterna. Mas todo o pecado, mesmo o venial, carrega consigo desvios e desordens que precisam de ser purificados e reparados nesta vida ou depois da morte. A pena temporal decorre destas desordens geradas pelo pecado. O cristão que procura purificar-se do seu pecado e santificar-se não se encontra só. Na comunhão dos santos, a santidade de um aproveita aos demais, muito para além do dano que o pecado de um tenha podido causar aos outros. Aos bens espirituais da comunhão dos santos, também se chama «tesouro da Igreja».

Na segunda parte, João Peixoto percorreu sumariamente a histórica do sacramento da penitência, para mostrar a emergência da indulgência. Na idade antiga, no contexto de um catecumenado muito sério, a quem fazia caminho para o batismo, além do arrependimento, exigia-se a emenda de vida, por vezes com alterações profundas, designadamente ao nível profissional. No quadro da vivência cristã, evidenciando-se a santidade dos mártires, também se constatava o fracasso dos fiéis, mormente na apostasia. Se a exigência tendia para a intransigência, a misericórdia podia confundir-se com a cedência diante do pecado. Nesta polaridade, venceu a misericórdia, iniciando-se a história do sacramento da Penitência, com as seguintes caraterísticas: a excecionalidade (para pecados excecionalmente graves); a severidade (penitências e satisfações difíceis e prolongadas no tempo); a publicidade (coma intervenção de toda a Igreja); a unicidade (uma única oportunidade de reintegração da comunhão sacramental). Será o rigor do sacramento da Penitência a conduzir à indulgência. Um pecador patrocinado por um mártir ou por um confessor da fé podia ver antecipada a sua readmissão.

Na evolução da vida eclesial, a partir do séc. VI, ao lado da penitência pública organizou-se a penitência privada. O fiel confessava o pecado de forma sigilosa, O ministro discernia o caso, aplicando a penitência estipulada ou tarifada, que, uma vez cumprida, dava lugar à absolvição. Emergiram sobretudo duas novidades: o processo podia repetir-se e retirava-se, pelo menos em parte, a publicidade. O resultado das tarifas aplicadas convergia, assim, em anos e anos de penitência. As penas temporais eram inerentes ao processo de conversão, e o seu eventual exagero tinha válvulas de escape, mediante comutações, reduções e substituições. Para tanto serviam as missas, os saltérios recitados, as peregrinações, as ações caritativas, aplicadas pelo próprio ou por outrem. Certamente que estas práticas se deram a abusos perversos, na ilusão da “compra” do perdão, mas também evidenciavam aspetos belos e ricos, expressivos da comunhão dos santos.

Entre os séculos XI e XIII, a indulgência inseria-se no processo penitencial, fazendo-se fora do sacramento, por via administrativa. A Igreja ia suprindo as penas que os pecadores deviam satisfazer. Assim apareceu a indulgência parcial, com uma oferta monetária ou uma obra de caridade. Em casos mais raros foi promovida a indulgência total, designadamente no contexto das cruzadas. A corrupção de uma prática com sentido foi alimentando a crise das indulgências, cuja reforma só foi enfrentada depois da rutura protestante, no Concílio de Trento. Nova reforma se daria com Paulo VI na Constituição Apostólica «Indulgentiarum doctrina» de 1967. Aí se se refere que, para alcançar a indulgência, é preciso fazer uma obra enriquecida (ex. uma peregrinação) e preencher as seguintes condições: confissão sacramental, comunhão eucarística e oração nas intenções do Sumo Pontífice. Requer-se ainda a rejeição de todo o apego ao pecado. Depois da alusão a algumas chegas ao sentido da indulgência tanto de João Paulo II como de Francisco, foi encerrada a exposição e aberto um largo tempo de diálogo com o conferencista.

A próxima sessão, a realizar também por videoconferência, está agendada para 11 de fevereiro de 2025, Dia Mundial do Doente, às 21 horas. Isabel Lopes Ribeiro, do Secretariado Diocesano da Pastoral da Saúde, aborda o tema «Uma ética e uma cultura do cuidado na peugada do bom samaritano».

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