Olho para vós, caros Ordinandos, e não me é difícil imaginar os múltiplos sonhos, aspirações, projetos, generosidades e utopias que vos conduziram a este momento. Graças a Deus que colocou no vosso coração o inabalável desejo de oferecerdes as vossas forças para colaborar na edificação do Reino de Deus e sua escala de valores. Mas também não ignoro que alguns dos sacerdotes que quiseram tomar parte neste momento “fundacional” das vossas vidas apresentam o rosto tisnado pelos muitos trabalhos e canseiras e o corpo dorido pelo desconforto de algumas incompreensões, não raros menosprezos e até algum stress ou burnout. Não queria que desconhecêsseis que, devido ao excesso de trabalho e a uma certa hipercrítica social, temos, de facto, alguns sacerdotes cansados, exaustos, fragilizados. Não obstante, eles não desanimam, pois juntam as suas forças à ação divina. E prosseguem caminho. A eles, a admiração, a simpatia e a solidariedade de todos nós. Estão aqui para vos receber, de braços abertos, no Presbitério ou nas comunidades religiosas onde já fizestes votos.
Sabemos bem que estamos em tempos de mudança. Um dos aspetos mais visíveis é a nossa incapacidade de substituirmos os muitos sacerdotes ordenados nos anos cinquenta e sessenta por igual número de novos padres. Na vida diocesana e, a seu modo, também nas Ordens e Congregações. E o trabalho apostólico é hoje maior e mais exigente do que naquela altura. Então, como fazer? Aumentar trabalho ao trabalho?
A solução não está em acumular, mas em abrir mão, delegar, distribuir por outros. Nós, ministros ordenados, não somos a totalidade da Igreja. A Igreja é esta realidade de um povo eleito, sacerdotal, no qual o Espírito de Deus desperta habilidades, dons e carismas que se traduzem em serviços, colaboração, ministérios. Isto é da essência da Igreja e não fruto circunstancial da falta de clero. Seremos mais Igreja se integrarmos o maior número, sinodalmente, e capacitarmos os leigos para o exercício competente dos vários serviços que há que desempenhar. Na liturgia, mas também na evangelização, na caridade, na organização, na administração, nas obras, etc. Sem esquecermos os nossos Centros Sociais Paroquiais.
Para isso, há que despertar carismas, formar e confiar ministérios. A recente abertura dos ministérios instituídos dos Leitores, Acólitos e Catequistas à totalidade do povo de Deus pelo Papa Francisco é expressão disto mesmo. O que nos acrescenta uma nova tarefa que tem de ser executada como prioridade: promover, amparar, solidificar a participação laical em todos os domínios. O Padre tem de ser, de facto, um cultor e coletor de carismas para os transformar em ministérios.
Ele é o Ministro dos ministros e o sacerdócio o ministério dos ministérios. O que nos obriga a agir em dois campos: continuar com o habitual modelo de Paróquia, o qual ainda possui virtualidades e razão de ser, mas também fomentar um novo paradigma de pastoral, mais evangelizadora e missionária, mais integral e integrante, mais ministerial e de responsabilidade de todos. No fundo, uma pastoral em saída. Quanto mais não seja, saída dos nossos esquemas tradicionais de tudo concentrar nas mãos do Pároco. E saída ou passagem de uma pastoral de setores, cada um por sua conta e risco, a um outro sinodal ou de projetos. Conto convosco, caros ordinandos, para esta reconversão da Igreja que revisita o seu centro, tal como o Mestre a sonhou.
Juntamente com este, há que integrar um segundo elemento, de natureza mais espiritual. A primeira leitura deste dia fala-nos de um rei messiânico que salva o seu povo na humildade e na mansidão. No século IV a.C., o tempo de Zacarias, a monarquia davídica já tinha desaparecido. Curiosamente, é a partir disso que se faz um anúncio inusitado: vai chegar um rei salvador, descrito como um não-rei. De facto, enquanto os reis se confundem com poder e exércitos, riqueza e vontade arbitrária, esta figura bíblica identifica-se com o justo ou o “salvo” que vem justificar e salvar o povo mediante a introdução, na realidade da vida, de outros critérios e formas de atuação. É o humilde e desprovido de força, o desarmado, que edifica a paz e a harmonia social e, assim, adquire a estima do seu povo porque destrói «os carros de combate de Efraim e os cavalos de guerra de Jerusalém, quebra o arco de guerra, anuncia a paz às nações e domina de um mar ao outro mar, do rio até aos confins da terra» (Zac 9, 10). Liberta a pessoa daquele medo que a leva a armar-se até aos dentes, a refugiar-se na fortaleza da sua interioridade sem preocupações sociais ou a ver os outros como inimigos a abater.
O retrato que o profeta faz é o de Jesus de Nazaré, de cujo ministério ordenado nós participamos. É a partir da sua ternura e serenidade, da sua liberdade e ausência de medos, do acolhimento de todos e da alegria contagiante que se opera a força da salvação. Salva porque é portador de uma compreensão da vida e dos valores muito diferente, ou até contraditória, dos que têm de ser salvos. É esta diferença positiva que O leva a agradecer ao «Pai, Senhor do céu e da terra, porque esconde estas verdades aos sábios e inteligentes e as revela aos simples» (Mt 11, 25). Se vivermos estas atitudes do Senhor, o tal burnout desaparece e a Igreja edifica-se na tranquilidade e na paz, na alegria e na esperança, tónicas que nos vão acompanhar no próximo Plano Pastoral Diocesano, logos após a tão ansiada Jornada Mundial da Juventude.
E nunca rastejeis, mas cultivai uma sadia utopia. Aquela de que nos fala o escritor uruguaio Eduardo Galeano: «A utopia é como o horizonte: ando dois passos e ele afasta-se dois passos; ando dez passos e ele afasta-se dez passos. O horizonte é inalcançável. Então, para que serve a utopia? Para isso: é preciso continuar caminhando».
Caminhai rumo ao Reino de Deus, pátria da Igreja e realidade onde se visualizam os valores e critérios do Senhor que vem ao nosso encontro. Ele vos ajude por intermédio da sua e nossa Mãe, a Virgem Senhora da Vandoma.
Sé do Porto, 9 de julho de 2023
+ Manuel Linda
Bispo do Porto